Finalmente o dia do CURTO CIRCUITO nas ruas do Rio Vermelho. Sexta-feira, dia de medalhões nos circuitos oficiais (Daniela, Chiclte etc) e um grupo de foliões descontentes tentava inventar sua própria brincadeira.
Primeira providência do dia: buscar o carrinho de café. O dono do carrinho que alugamos marcou comigo no sub-solo da Estação da Lapa, no terminal do Lobato. Uma da tarde e lá estava ele com o carrinho e o som ligado. Antes mesmo de cumprimentá-lo, já fui logo falando: "Davi, desliga esse som pra não gastar a bateria" (os equipamentos eletrônicos dos carrinhos de café funcionam ligados em uma bateria de carro). O traste respondeu que eu ficasse na minha porque ele tinha uma bateria extra novinha.
Tentamos pegar um táxi, não rolou, o carrinho não cabia (até porque quase todos os táxis de Salvador funcionam com gás e o cilindro de gás ocupa grande parte do bagageiro). Mas se ele veio de ônibus com o carrinho de café, podemos ir pro Rio Vermelho de buzú, pensei. Quer transporte mais apropriado - um coletivo - para o "trio elétrico" do curto circuito?
Entramos no ônibus, Davi ligou o som, fiz nova advertência sobre a economia da bateria e o traste nada. Ele queria exibir o carrinho. E eu queria exibir o curto circuito, deixei. Descemos no ponto do Bom Preço e Davi arregaçou o som. Todo mundo ouvia e olhava - curto circuito começava a desfilar sua marca!
Saímos de casa com o "nano trio" ligado, tocando Obaluê, pedindo permissão a quem é de direito para ocuparmos as ruas. Sem licença da prefeitura, SALTUR, polícia, nada. Nossa permissão foi dada por Exu, o guardião das ruas e encruzilhadas, mensageiro entre os humanos e os deuses/orixás.
Já na saída a bateria começa a pifar. "Porra, Davi...". "Tenho outra aqui, Dona Ana, novinha, a senhora vai ver...". Dei uma bronca, mas também quem manda trabalhar com um cara que tinha chegado duas horas atrasado no nosso primeiro contato?
- "Eu furei mas eu liguei pra senhora, Dona Ana, pedi dinheiro emprestado, comprei um cartão pra ligar pro seu celular, Dona Ana...".
- "Grrrrrummmmmmmmm..."
ARTE
Sexta-feira de carnaval, dia 20 de fevereiro, seis da tarde. Hora da ação. Tudo muito simples: celebrar a vida, dançar, fazer acontecer. Simples e complicado. Fazer qualquer coisa no carnaval de Salvador, mesmo tão pequeno como o CURTO CIRCUITO, não é simples porque as expectativas são tão exageradas quanto as dimensões do carnaval soteropolitano. "Fica tranquila, no começo é sempre assim, ano que vem vem mais gente".
A expressão "tão pequeno" não significa pra gente algo simbolicamente "menor", pelo contrário. Queremos ser exatamente isso: pequenos, artesanais, verdadeiros - queremos simplesmente experimentar formas de celebração.
Não é nada demais o que fizemos no CURTO CIRCUITO: alugamos um carrinho de café com equipamento de som e saímos dançando pelas ruas do Rio Vermelho como se ele fosse nosso trio, nosso sound system móvel. E durante o circuito, poesias em forma de confetes, cartazes, grafites, passos de danças. Dividimos o aluguel do carrinho e tivemos nosso trio elétrico particular. Qualquer grupo de amigos pode fazer isso.
E fomos pra rua assim: com o espírito de liberdade e o desejo de experimentar, por isso não queremos crescer, aparecer, nada. Queremos apenas celebrar a vida e soprar momentos de pureza no carnaval mercantilista de Salvador!
Aos poucos, as pessoas foram chegando e se animando com o movimento. A midialouca, loja de cds e dvds, foi nossa base de apoio. Mesas na rua, isopor com cerveja, o buxixo estava começando. Lá pelas sete da noite começamos a 1ª volta do circuito: Fonte do Boi e Rua do Meio. Éramos umas vinte pessoas - algumas diziam "olha, não liga não, no começo é assim mesmo, pequeno, depois cresce. O circuito Barra-Ondina começou assim". Mas nós não queríamos o circuito Barra-Ondina, queríamos um curto circuito!
Mais pessoas foram chegando, moradores desceram dos apartamentos e até Sora, roqueira de carteirinha, dançou no nano trio. Na 2ª volta aumentamos o circuito e fomos até o Largo da Mariquita. O triozinho passava e despertava atenção, risos e flashs.
Os confetes de poesia eram atirados pro alto e disputados como se fossem bilhetinhos da sorte. Viva Karina!
Durante o circuito, as marcas do curtocircuito se espalhavam por postes, tapumes, entulhos, paredes e pedras.
Com a proteção dos deuses que governam as ruas, nossos erês Nina (Xineném) e Levi brincaram felizes no CURTO CIRCUITO.
Lá pelas dez da noite, o som começou a perder o volume. Pergunto porque. "A bateria, dona Ana, essa música alta puxa muito a bateria...". "Tá vendo?". Mas já estava na hora de liberar o cara - ele tinha que pegar o ônibus de volta pro Lobato, periferia de Salvador. Fizemos uma vaquinha entre amigos e pagamos o aluguel do carrinho (R$ 150,00)
De alma lavada, nos despedimos, já querendo que o próximo ano chegasse logo.
E foi assim, sem cordas, sem camarotes, sem muita grana, mas com muita vontade, que o CURTO CIRCUITO se jogou nas ruas do Rio Vermelho: livre, artístico, pop, curto, intenso, rápido, perene.
Vida longo ao curto circuito!!!!